quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Frente fria





Li seus adendos numa dessas propagandas enganosas de lunetas vídeo-clipe.

Aninha: "Dei só um olhar e ele pensou que fosse eu".
Cristina: "Eles são tão estranhos, mamãe. Posso voltar pro papai?"

Bastiana: "Só porque eu gritei Lombardiiiiiiii na hora h, ele não me perdôou. Resolvi ligar na Globo."

Joana: "Quanto mais eu falava mais ele esquecia e acabei comprando um MP3."

Doralice: "Sei lá, o cara me deu uma soqueira no dia dos namorados e eu usei, pensei que era pra isso."

Cora: "Ultimamente desisti das passeatas gays e ando fazendo campanha só por eunucos inofensivos."

º
Encontraram-se numa comunidade de relacionamentos. Embora ainda não soubessem (nesse momento do texto estão todas trabalhando) tinham em comum a vocação: digitadoras.

Em Cristina começara a despertar na infância. No dia em que seu pai a levara pela primeira vez à praia e cobrira seu corpo todo de areia, deixando-lhe complacentemente a cabeça do lado de fora.

Bastiana era a mais velha do grupo, chegara até a fazer um curso de datilografia em 1983, fato que omitia cuidadosamente do chefe na repartição.

O caso de Doralice era o mais estranho. Desde que amputara o dedo médio fechando o porta-malas com sua mãe dentro, ficou obcecada por telemarketing. Após o bip na sua secretária ouvia-se sempre uma histérica gargalhada.

Meteram Cora num vestido-bombom rosa aos quinze anos e desde então ela passou a ver o mundo como um enorme bolo confeitado. Aos vinte anos, com a grana que herdara da madrinha contadora, abriu seu próprio negócio de lingerie.

Aninha era míope e tinha vergonha de usar óculos, o que sempre lhe abastecia de muitos tropeços em calçadas. Diziam seus colegas que ela tinha um anjo da guarda poderoso, ela acreditava e seguia completamente embevecida quando lhe confundiam com um sushi no ônibus lotado.

Joana fora criada num orfanato católico e sua melhor recordação eram os dias santos catalogados e o coro dos monges beneditinos ecoando aos domingos na sacristia.

No feriado do dia de finados receberam um convite por email do Cláudio para se cadastrarem no site, assim o fizeram e foi assim que as vi, de passagem.

Já pedi que me adicionem antes que bloqueiem minha senha da internet por atraso no pagamento da funerária.

Matarei a todas com pôr-do-sol na Tailândia.
..

7 comentários:

  1. hihihihi... olha, li atentamente, tão atentamente que quase grudei os olhos na tela. e é bom também porque nesses textos com muitas personagens, sempre esqueço o nome de todas, então é como se toda hora começasse uma nova história. gostei mais desse texto que de muitos outros. seus, inclusive. vou dar meu cpf pro cartão desse blog, tão gentil, dando direito até a enterro asiático com conchinhas, coras e um vai tomar no cu tão entregue que levou o dedo da aprendiz como bagagem e, com esperança, quem sabe, como instrução.

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  2. kkkkk O bom de entrar nos seus blogs é nunca se arrepender!

    Beijos

    Regina

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  3. Eu ia perguntar sobre o seu outro blog...mas depois li no seu perfil que nem se pode tocar no assunto!...:)
    Mas esse novo é muito bom!
    Manda mais bala, mana, que o tempo tá fechado!;)
    bjs

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  4. Que coisa mais linda ver essa Grazzi deslizar a caneta num papel ,

    Um beijo enorme.

    Te amo

    Nanda

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Porra Tia Grazzi vc é demais!

    Parece que nos dias atuais qq vagabundo de orkut é um digitador profissional, mesmo sem ter feito datilografia em 1983, isso realmente é algo que não pode jamais vir a lume, uahahaha!!!!!!!!

    Gostoso e meio te ver escrevendo.

    Por falar nisso:

    O que aconteceu com o teu outro blog?
    (Zisco toma um rabo de arraia certeiro da Mestra Grazzi pra não fazer pergunta boba)

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  7. Pequenas fotografias da infâmia humana. Até mesmo matar é infame. Não por moral, mas pelas atrapalhações que um assassinato sempre traz, as fezes, o sangue, a baba, o sanito.
    E assim amplia-se na sua literatura o que é de todos nós. O que se esconde atrás de um avatar relativamente simpático. Uma "Comédia Humana", só que bem mais dolorosamente divertida que a do velho Honorè.
    Beijo.
    Paulo.
    http://vazamentosdevapores.blogspot.com

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